Após um processo sistemático de desmonte da Cultura Brasileira, desse governo que finda em 31 de dezembro, posso afirmar com toda convicção, que só não chegamos ao aniquilamento total, graças a mobilização nacional dos artistas e fazedores de cultura, que com coragem, resiliência e inteligência, lutaram para manter viva a esperança por um momento melhor, por um país melhor. Entretanto, como diz o ditado popular “desgraça pouca é bobagem”, além de um governo totalmente despreparado e insensível, que menosprezou a cultura e assim o próprio ser humano, apareceu um tal de Coronavírus para complicar ainda mais a nossa vida. Esse também quase nos aniquila, não conseguiu, mas deixou um rastro enorme de tristeza e desalento.
Os artistas e os profissionais da cultura foram implacavelmente atingidos pela pandemia. Naquele longo período de silêncio nos palcos, de picadeiros vazios, de espaços fechados, de convívio frio e remoto, de dor e luto, a classe artística brasileira, representada por pensadores qualificados de políticas públicas culturais e alguns parlamentares federais, sensíveis e atentos para essa desventura, encontraram maneiras de pautar e convencer o governo e o parlamento para a necessidade de um auxílio emergencial específico para o setor cultural. Assim nascia a Lei Aldir Blanc, um alento, uma luz no fim do túnel e, mais do que isso, uma esperança de virar o jogo. Ao sancionar a lei, o presidente Bolsonaro mordeu a isca e, inadvertidamente, acordou um gigante. A partir daí, se intensificou ainda mais o debate e mais conquistas vieram, como a Lei Paulo Gustavo e a Política Aldir Blanc, claro que o então presidente tentou impedir de todas as formas, felizmente fracassou.
Era evidente que para aplicação da Lei Aldir Blanc, o governo teria que lançar mão de alguns elementos integrantes do Sistema Nacional de Cultura, criado e estruturado nos Governos Lula e Dilma (e negligenciado por Temer e Bolsonaro), com elementos constitutivos que definem e estruturam uma potente Política Cultural no Brasil, aliás, desde o Estado Novo, passando pela República Populista, pela Ditadura e até a Nova República, foi a mais relevante e assertiva Política Cultural no âmbito federal deste país. Relevante como política de desenvolvimento social, econômico e humano e, assertiva pois estabelece como princípio básico a participação social no debate, na definição da política pública e para a adoção de um modelo funcional de gestão compartilhada.
O Sistema Nacional de Cultura – SNC pressupõe integração e capilaridade por todo país, e para isso, os estados e os municípios devem seguir os mesmos fundamentos e adotar o mesmo modelo com seus respectivos Sistemas Estaduais e Municipais de Cultura, desenvolvendo seus elementos e conceitos alinhados com o SNC.
Os elementos constitutivos do Sistema Nacional de Cultura formam um conjunto de organismos, ferramentas e ações estruturantes que se interagem: Órgão Gestor da Cultura, executor público da Política de Cultura; Fóruns Setoriais, específicos e necessários para debate em todos os segmentos de toda diversidade cultural e artística brasileira; Conferência de Cultura, propositiva, deliberativa e aberta para debates por eixos e pautas nos três níveis de gestão (Nacional, Estadual e Municipal); Controle Social através do Conselho de Cultura, com gestores e a sociedade civil representados; Sistemas estruturantes como o Sistema de Financiamento e Economia da Cultura, onde se alocam os recursos financeiros para sustentação da cultura, Fundos, Leis de Incentivo, orçamentos, recursos para editais, doações, etc. e; o Sistema de Informação e Indicadores Culturais, interligando informações da arte e cultura em todo país. O SNC ainda propõe programas para desenvolvimento cultural como o Programa de Formação Cultural e Artística, o Programa de Fomento e Difusão Cultural e Artística e o Programa de Preservação do Patrimônio Histórico e Cultural; tudo alinhado, definido e cronologicamente estruturado pelo elemento principal e matriz do próprio Sistema e das políticas públicas culturais, os Planos de Cultura (Nacional, Estadual e Municipal), com vigência de dez anos, que norteiam a aplicação e manutenção permanente do Sistema, estabelece os compromissos de desenvolvimento e estruturação de ações, projetos, programas, atividades, proposta das gestões, propostas da sociedade civil e seus segmentos culturais e questões como orçamentos e financiamento, entre outras, enfim, o Plano de Cultura, elaborado democraticamente, pela gestão compartilhada (governo e sociedade civil) consolida e garante a permanência de um padrão sustentável, técnico e político para o desenvolvimento constante da Cultura brasileira e por fim, o Plano de Cultura deve passar pelo legislativo e definitivamente estabelecido por Lei.
Ou seja, “bons ventos” que nos levam para a direção certa. O novo governo do país retomará o leme dessa nau (que quase foi a pique) e, com certeza, conduzirá a Cultura para seu devido lugar. A travessia é longa e complexa, mas o caminho traçado é seguro, esse caminho é o diálogo e o entendimento desse processo de reconstrução. Governantes, sobretudo os mandatários municipais, seus secretários e diretores de Cultura, a sociedade civil organizada, a comunidade artística e cultural mobilizada e representada, todos atores importantes nesse processo, debatendo, propondo, se capacitando, atuando e pactuando passo a passo. É preciso sepultar de vez o paradigma invariável, insensato e maldito, presente na maioria dos municípios brasileiros que relega a Cultura a um papel secundário, sem importância. A cultura é transformadora, a cultura é potente, a cultura trás desenvolvimento social, econômico e principalmente humano, a cultura somos todos nós.
João Lisanti Neto
Músico, pesquisador, gestor cultural, consultor para gestão pública na área de cultura e turismo, com experiência em promoção de saúde através da arte e cultura, morador em Itapecerica da Serra, atuante na região há 30 anos, na Secretaria de Saúde e Secretaria de Cultura em Embu das Artes, na Secretaria de Saúde e Secretaria de Cultura e Turismo de Taboão da Serra, e junto à comunidade artística e cultural dessas cidades.
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